domingo, 20 de novembro de 2011

Cabimento

Como uma agulha cabe numa caixa de fósforos
ou num caixão
num palheiro num jardim no bolso de uma pessoa
na multidão
caminhão montanha tudo cabe em seu tamanho
tudo no chão
hoje eu caibo nesse mesmo corpo que já coube
na minha mãe

minha mãe
minha avó
e antes delas minha tataravó
e antes delas um milhão de gerações distantes
dentro de mim

um lugar
num porão
uma cama num colchão
como um átomo num grão
uma estrela na galáxia

como a bala de revólver cabe no revólver
cabe também
numa caixa num buraco bem no centro do alvo
ou em alguém
onde cabem coração cabeça tronco e membros
soltos no ar
como cada gesto cabe no seu movimento
muscular

só nós dois
meu amor
não cabemos em mim ou em você
como toda gente tem que não ter cabimento
para crescer

Composição: Arnaldo Antunes e Paulo Tatit
Intérprete: Arnaldo Antunes

Palavra Acesa

Arquivo pessoal - FLIPIPA 2011

Se o que nos consome fosse apenas fome
Cantaria o pão
Como o que sugere a fome 
Para quem come
Como o que sugere a fala
Para quem cala
Como que sugere a tinta
Para quem pinta
Como que sugere a cama
Para quem ama
Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta em seu carvão
E se não lhe atinge como uma espada
Peço não me condene oh, minha amada
Pois as palavras foram pra ti amada
Pra ti amada
Oh! Pra ti amada

Composição: José Chagas e Fernando Filizola
Intérprete: Quinteto Violado

Além Alma


Meu coração lá de longe
faz sinal que quer voltar.
Já no peito trago em bronze:
NÃO TEM VAGA NEM LUGAR.
Pra que me serve um negócio
que não cessa de bater?
Mais me parece um relógio
que acaba de enlouquecer.

Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bem assim,
e o vazio que vai lá fora
cai macio dentro de mim?

Arnaldo Antunes e Paulo Leminski

FLIPIPA


No país em que as palavras brotavam das árvores estive na companhia dos livros,


Arnaldo Antunes,


Fernando Morais


e amigos preciosos!!!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Encantos da Iara III

Quero sonhar e acordar noutro tempo,
quero fazer outro mundo, sem fim:

os rios limpos, serenos, contentes!
E eu não deixasse de ser curumim.

Um tempo nosso, só de coisas claras...
E lá
            no fundo de tudo
                                                               a Iara.


Eucanaã Ferraz - Poemas da Iara

Encantos da Iara II

Ouço vozes. Serão vozes de quem chora?
(tatu-canastra, toninha, tatu-bola).

Vozes. Vêm do rio, do céu, da montanha?
(onça-pintada, ararinha, ariranha).

Vozes. E não posso me fazer de surdo
(sagui-da-serra, macaco-barrigudo).

Serão vozes? Ouço gritos? Ouço dores?
(veado-campeiro, sagui-de-duas-cores).

Ouço. Soa bem mais alto que a palmeira
(gato-do-mato, preguiça-de-coleira).

Ouve? Sim, o tempo parece parado
(jaguatirica, mico-leão-dourado),

parado, quebrado, não sei o que foi
(macaco-aranha, jacaré, peixe-boi).

Ouve? Põe o ouvido aos pés da ribanceira
(gato-palheiro, tamanduá-bandeira).

Ouço. Ouve! Não é o canto da Iara.
Não é a Iara. São os irmãos da Iara.

Ouve! O canto triste que vem de tudo.
Ouve! Um canto triste ao redor do mundo.


Eucanaã Ferraz - Poemas da Iara

Encantos da Iara



Sereia doce, que nos leva
para o fundo, não nos leve para
o fundo.

Mas, sereia doce, que nos leva 
para o fundo, se houver
outro mundo

mais belo e profundo,
leva-nos - doce menina - para
o outro mundo.


Eucanaã Ferraz - Poemas da Iara

domingo, 13 de novembro de 2011

"Da mulher que mata a sede
Da minha grande paixão,
Tenho levado mais não
do que vendedor de rede".

Zé de Cazuza

Ao som das violas!!!



CLOROFILA (Miguel Marcondes - Luís Homero)

Vê-se as flores naturais
Perfumando o ambiente
Parecendo e diferente
D'outras artificiais
Umas cheirando demais
E outra sem ser cheirosa
Quando o homem faz a rosa
Fica faltando a essência
Diante da providência
A ciência é enganosa
                      (Zé de Cazuza)

Do jeito da brisa
suave a tocar
O verde das folhas
Vai clorofilar
Perfumando campos
E ares da terra

A cor do planeta
Vive sempre a mudar
Estrelas e luas
Vão iluminar
O escuro da noite
No azul infinito

Bonito de se vê
Nem tudo que se lê
Está escrito

É fácil de fazer
Difícil é dizer
O que nunca foi dito

Castelos e sonhos
Vão sempre existir
Trazendo motivos
Pra quem vai seguir
Alimentando
O sentido da vida

Segredos do mundo
Na face do chão
Estradas e linhas
Na palma da mão
Traçando o destino
E eu acredito

Bonito de se vê
Nem tudo que se lê
Está escrito

É fácil de fazer
Difícil é dizer
O que nunca foi dito


Vates e Violas - CD Quem não viaja, fica!


O Grupo Vates e Violas é formado pelos irmãos Miguel Marcondes e Luís Homero, filhos do poeta popular paraibano Zé de Cazuza.

Areia - PB



Teatro Minerva - Primeiro teatro da Paraíba



Desconstrução!!!

Botticelli


AFRODITE

Deusa,
se for afro, dite!

Sidney de Paula Oliveira - O negro em versos


Em Campina Grande!!

                                                                 Arquivo Pessoal

Uma vez em Campina Grande
Perto da Maciel Pinheiro
Tomei tanto sorvete de rainha
Que o Rei Luís de França
Resolveu bombardear o Japão.
Acuda-me Zé Limeira, nego véio,
Tocaram fogo no Cariri
Só pra que eu pudesse rimar
Tatu com xixi.

Chico Doido - 69 poemas de Chico Doido de Caicó


DÚVIDA

Água-viva
quando morre
fica sendo
água-morta?

Ou água só?

Ana Maria Machado - Sinais do Mar
Ponta Negra - Adriano Santori


SALSUGEM

não é sujeira
nem ferrugem
é sal no ar

sai na areia
só não sai
na maré-cheia

Ana Maria Machado - Sinais do Mar


sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Riqueza de Pescador

                                 Imagem disponível em http://antonio-mp.blogspot.com/2010_05_01_archive.html


"Cachorro mago,
jangada ligeira,
morena queimada pelo sol do Senhor
é toda a riqueza do pescador"

Gilvan Chaves

Disponível em: http://www.radioforroemvinil.com/


[PÓS - SESSÃO]

"Tu podes calar a minha boca
Mas não te iludas,
não podes calar a minh'alma
Mas se por acaso calares minh'alma
Ficarei nas almas que não calam as bocas"

Alessandre de Lia

NENHUMA RESPOSTA EXATA

Onde estará a amante
Eu pergunto ao viajante
Ele responde: na estrada

Onde estará a amada
Eu pergunto ao passarinho
Ele responde: no ninho

E o vinho de que ela gosta
Estoco na minha adega
Para quando a paixão cega
Enxergar a mesa posta

Chico César

Apertados - Currais Novos - RN



Serra do Chapéu

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Botero


LUXÚRIA

Maria Augusta de Aguiar Botelho
De olhar negro e pele muito branca
Quando passava balançando as ancas
Sentia o cheiro daqueles pentelhos.

Como eu queria osculá-los, tê-los
Vê-los com a lupa do cruel desejo
Mordê-los, pinicá-los, dá-los dez mil beijos
Aquele púbis foi meu desmantelo.

Um dia Deus me concedeu a glória
De ver despido aquele corpo santo
Me ajoelhei feito um fiel, aos prantos

Disse: Senhor, quem sou pra merecê-lo?
Ele me disse: Filho... É só luxúria!
Maria Augusta de Aguiar Botelho.

Luciano Nunes

domingo, 6 de novembro de 2011

Solidão das pérolas!!!

Sapatos - Van Gogh

MARINHA

Por onde andam os meus sapatos de galante
Aqui passaram? Perguntei ao cabineiro
Agasalhei meus pés de sons extravagantes
No olhar distante desse tempo marinheiro
Atravessando oceanos de sandice
Os meus sapatos de marinha me perderam
Nas correntezas abissais. Que onda triste
Naufragou-me? Ressuscitando perguntei ao manobreiro
- As ondas turvas do desejo - ele me disse.
Toma outra vez o teu lugar de passageiro.
Fiquei na proa ouvindo o mar e sua prece
Pequena lágrima de versos vanguardeiros.
Então pedi à solidão que me guiasse
Ela me disse: - Vai, meu faroleiro!!

Luciano Nunes


Doce cheiro da memória!!

Baobás Africanos

DEVER DE CASA

Era tempo de Deus, e Deus chegava
imprevisto e, quase sempre, ao fim da tarde:

ao chegar, abria as portas que eu fechava
revelando, a um passo, a eternidade.

Tinha Deus, o esplendor de um feriado
aberto à inocência e aos brinquedos:

nesse tempo de paz e chão molhado
eu via Deus e não sentia medo.

O que sonhava, comigo Deus sonhava,
o sol, o céu, o mar, tudo era nosso:

se queria pescar, Deus não deixava,
a alma desconhecia o que é remorso.

O tempo, com insônia, não dormia,
e a vida, perambulando nos quintais,

apesar de ingênua e mansa já dizia
que esse tempo não voltava mais.

Passou o tempo, passei eu, passou
a vida, a cada dia mais remota:

só não passa, preservando o que restou,
o Deus que sonha e me abre as suas portas.

Jaci Bezerra

Fonte: BEZERRA, Jaci. Linha d'água. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2007.