Baobás Africanos
DEVER DE CASA
Era tempo de Deus, e Deus chegava
imprevisto e, quase sempre, ao fim da tarde:
ao chegar, abria as portas que eu fechava
revelando, a um passo, a eternidade.
Tinha Deus, o esplendor de um feriado
aberto à inocência e aos brinquedos:
nesse tempo de paz e chão molhado
eu via Deus e não sentia medo.
O que sonhava, comigo Deus sonhava,
o sol, o céu, o mar, tudo era nosso:
se queria pescar, Deus não deixava,
a alma desconhecia o que é remorso.
O tempo, com insônia, não dormia,
e a vida, perambulando nos quintais,
apesar de ingênua e mansa já dizia
que esse tempo não voltava mais.
Passou o tempo, passei eu, passou
a vida, a cada dia mais remota:
só não passa, preservando o que restou,
o Deus que sonha e me abre as suas portas.
Jaci Bezerra
Fonte: BEZERRA, Jaci. Linha d'água. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2007.
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